Sobre viver em função de acontecimentos passados...

segunda-feira, janeiro 31, 2022

Tem muito tempo que eu não escrevo por aqui um texto mais pessoal. Escrevi alguns nos últimos meses, é verdade, mas não me pareceram sinceros. Não senti que estava falando de mim de verdade, mas com uma máscara, um verniz por cima de tudo que eu falava. Os acontecimentos da vida me fizeram parar de falar de mim dessa forma (ou eu me fiz parar de falar de mim dessa forma, se você olhar por uma perspectiva mais existencial). Passei por muitas coisas nessa vida, coisas que tenho dificuldade de falar, que não sei como organizar e não consigo compreender a dimensão do quanto isso me afeta, e essas coisas me fizeram ter cautela com as pessoas. Pessoas sempre foram complicadas e confusas para mim, mas isso nunca me impediu de nada. Eu vivia minha vida como eu queria, e falava as coisas que eu queria, independente da ansiedade social que me afligia. Mas a vida é uma coisa engraçada. 

Ando sentindo falta de mim mesma. Nem sei como explicar isso. Os problemas que eu tinha antes — de ansiedade, de medo, de insegurança — já não me atingem mais. Não perco mais meu sono preocupada com uma entrevista, ou com um evento ou encontro marcado com alguém. Encontrar conhecidos na rua já não é mais um problema. Não tenho medo do futuro e sei me portar em diferentes situações. Não tenho medo de ser incapaz nem de não conseguir, porque sei que, atualmente, tem pouquíssimas coisas que me derrubam, que me afetam ou que me desesperam. Caramba, passei dois anos trancada em casa e não derramei uma única lágrima. Quis desistir, desaparecer e fugir, é claro, mas não derramei uma lágrima, porque sabia que não precisava. Sabia que passaria por essa apesar da angústia. Ou com a angústia, se você for dessas. Mas (e é aqui novamente que digo que a vida é uma coisa engraçada) nunca me senti tão fraca, frágil e vulnerável em toda minha vida. 

Há quatro anos atrás, quando procurei terapia pela primeira vez, quando não conseguia articular uma palavra, quando perdia ponto na faculdade pra não ter que apresentar trabalho... eu tinha muito mais coragem do que agora. Era também muito mais forte, e tinha mais planos, e sonhava muito mais do que hoje. Eu não conseguia não agradar as pessoas e me colocava em situações ridículas por causa disso, mas eu era muito mais feliz. E tinha muito mais esperança. A vida parecia tão, tão complicada naquela época, mas eu conseguia encontrar alguma sabedoria no meio dessa lama. Hoje eu sinto que me tornei covarde.

Pode a força tornar alguém covarde? Ou é a vulnerabilidade que traz a coragem? Eu não sei. Olho pra trás e penso em todas as situações que me expus, nas pessoas que confiei e nas vezes que me abri, e só consigo pensar que jamais faria isso de novo. Que é um erro, que é burrice e que isso vai me prejudicar no futuro. Que eu era muito ingênua pra fazer tudo dessa forma e que sou muito mais esperta hoje de viver como eu vivo, trancada e mantendo tudo em segredo. Mas isso não é sabedoria, é só medo. Medo de ter que viver tudo de novo. Medo da dor. Medo da decepção. Medo do medo. Medo de um monte de coisas que ainda nem sei o que é.

Lembro de ter lido em um livro sobre Budismo (se não me engano Meditando a vida de Padma Samten), e lembro dele falar algo mais ou menos assim: "as pessoas vão pensar que você é bobo, mas quando se está no caminho do amor, isso não importa". Não gosto muito dessa coisa de amor, mas quando se está vivendo naquilo que se é, isso não importa. Não importa que pareça bobo. Naquela época, isso não me importava, mas hoje olho pra trás e penso que eu era boba. Estou do outro lado, olhando a mim mesma, e sem conseguir perceber que isso não importa. Importa ser quem eu sou, do jeito que sou, mas não consigo sentir isso agora, embora tenha compreendido com palavras. Eu ainda olho e me acho boba. Me perdi no caminho.

Uma coisa que penso sobre tudo isso é que chega a ser injusto. É injusto que a gente se deixe moldar as circunstâncias. Que as circunstâncias e as pessoas e as coisas que nos acontecem, acontecem, e quando nos damos conta, estamos vivendo em função de dores passadas, olhando pra trás com medo de acontecer de novo. Me lembrei de outra leitura: Não apresse o rio, ele corre sozinho. A autora dá um exemplo de um garoto que, diante de uma pessoa nova, avisava de algo, porque tinha deixado de avisar uma pessoa anterior e essa falta de aviso trouxe consequências negativas para essa pessoa. E então a autora reclama que ela não é essa pessoa do passado, que essa pessoa do passado em questão não tem nada a ver com ela e ela não tem relação alguma (ou culpa, ou responsabilidade) pelo que aconteceu com essa pessoa. Algo como "não me julgue pelo erro dos outros". Mas o garoto não deixava de avisar porque ele não percebia que a situação era outra, que não se aplicava. 

É o que estou tentando dizer todo esse texto: estou vivendo em função de dores passadas, de acontecimentos passados, de angústias passadas, sem perceber que a situação é outra. Eu já não sou mais aquela pessoa que era nem vou viver mais as coisas da mesma forma. E isso é bom, não há motivo pra ter medo. Talvez seja por isso que eu era bem mais boba naquela época, tinha muitos medos e inseguranças, mas sabia de uma coisa: a cada dia que passava, a cada situação, a cada pessoa, a cada trabalho, eu me tornava um pouquinho mais forte, minha ansiedade diminuía um pouquinho mais e eu encontrava cada vez mais o meu caminho. E aí, a vida é mesmo uma coisa engraçada, naquela época eu era boba porque sabia que todas essas situações, apesar das dificuldades, eram um pequeno passo pra ficar mais perto do que eu queria, pra alcançar o que eu almejava e me tornar a pessoa que eu gostaria de ser. E essa pessoa, meus amigos, é quem eu sou agora.

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2 comentários

  1. Confesso que tô passando por um processo de Autoconhecimento e autoaceitação que tem me feito viver nos altos e baixos da vida. É comum sermos o que não éramos a 4 anos atrás, eu mesma mal me reconheço. Então, levar isso de forma leve, mesmo que pareça muito duro, é sempre um desafio. Acredito que conseguiremos ser cada dia melhores com essa compreensão. As dores e todas as suas aprendizagens nos farão mais forte. E a isso agradecermos. Fico feliz de você estar sempre perto do que desejas e encontras.

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  2. Estou passando por isso.
    Às vezes o passado vem me lembrar das decisões erradas que tomei, das vezes que quebrei a cara por confiar demais e ser boba, mas como disse acima: foram esses acontecimentos passados que me tornou a mulher que sou hoje.
    Tenho vivido uma forma de me conhecer novamente, entender o que quero para mim e o que quero viver, entender quem sou e como posso melhorar amanhã. O que os novos desafios farão comigo e quem eles me tornarão.
    Amei seu texto e as reflexões presentes nele.

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