Não vou mentir e dizer que fui pega de surpresa em relação as medidas de isolamento que vem sendo decretadas em diversas cidades do Brasil para conter a pandemia do COVID-19. Estava acompanhando as notícias desde o principio, e como sou realista (alguns chamam de "pessimismo"), logo imaginei que a maioria das cidades parariam e comecei a me preparar. Naturalmente, isso não torna as coisas mais fáceis. Sou acostumada a ficar em casa e sair pouco, mas o abismo que separa não querer sair e não poder sair é muito grande. Hoje faz 14 dias que estou em casa direto, sem nem por os pés na rua, e a realidade começa a pesar. Já perdi completamente a noção do tempo, e precisei calcular no calendário há quanto tempo estou em casa. E, em um movimento que considero completamente natural, estou ficando estressada. Desconfio de quem não está.
Esse post, assim como a maioria dos que escrevo, não é um post de dicas, nem de conforto, nem estou escrevendo para passar uma boa mensagem. Não gosto de dicas porque acredito sinceramente que o que funciona para mim não necessariamente vai servir pros outros, e eu particularmente detesto ler dicas. Gosto de descobrir as coisas por mim mesma: seja como lidar com uma quarentena, seja como escrever meus próprios textos. Tenho recebido muitos conselhos, dicas, mensagens positivas e tentativas de acalmar os ânimos, geralmente carregadas de uma positividade exagerada e de um otimismo quase burro. A situação é séria. Agradecer um vírus pela "oportunidade" de ver as coisas de outro modo, de entrar em contato consigo ou de rever situações é, para mim, de uma alienação extrema. Quase egoísta. Eu não preciso — e acho que ninguém deveria precisar — de um vírus para rever a própria vida ou entrar em contato com si mesmo, é para isso que existe psicoterapia. Pessoas vão morrer. A situação é muito séria para ser maquiada debaixo dessa positividade alienada que tenta transformar tudo em uma coisa boa.
Entenda que não estou dizendo para nos desesperarmos e descabelarmos, perdermos a esperança e sair a rua sem os devidos cuidados, nem que não devemos colher bons frutos do tempo que (alguns) tem disponível. Estou dizendo que estamos passando por uma pandemia mundial, nos protegendo de um vírus que está matando milhares de pessoas, e que isso não deve ser encarado como um retiro espiritual, um mochilão para a Europa para "se conhecer". Entre agradecer um vírus e não entrar em pânico e começar a estocar papel higiênico existem vários tons de cinza. Nem tudo precisa estar em um extremo.
Estamos vivendo em um momento da sociedade em que a positividade se tornou tóxica. Tudo precisa ter um ensinamento, uma lição, uma coisa boa. Só o que é visto como bom e positivo tem espaço. Estresse, angústia, tristeza, solidão, são coisas que não tem lugar em nosso momento. É claro que isso não mudou na quarentena e essa cobrança só por coisas boas continua acontecendo. É por isso que estou escrevendo esse post: porque estou estressada, angustiada, cansada, com medo e com outros vários sentimentos e eu não encontro espaço para viver isso, mesmo que o que eu estou sentindo esteja condizente com a situação. A situação é estressante, angustiante, cansativa e assustadora e eu não entendo porque as pessoas insistem em fingir que não é. Estou encarando a situação, tentando manter minha sanidade e rezando para que isso passe logo. Se sair algo de bom disso tudo no final, é lucro. Esse não é o objetivo. Por enquanto, vou um dia de cada vez, com as emoções que aparecerem, sem procurar lições, ensinamentos ou tentar ver o lado bom nas coisas. Seguindo o fluxo de altos e baixos da vida, sempre lembrando que isso também vai passar.
- segunda-feira, março 23, 2020
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