[Resenha] Deus e o Diabo no humor das mulheres: contos, casos e crônicas com humor escritos por mulheres - Alba Valeria

quinta-feira, junho 10, 2021

A imagem mostra a capa do livro em questão, que está em tons sépia, com o título no topo, em que a palavra deus aparece na cor azul com uma auréola, e a palavra diabo na cor vermelha com um rabinho com ponta em forma de triangulo. Abaixo do título, uma pequena máquina de escrever, na cor preta, com mãos aparentemente femininas, com unhas pintadas e pulseira, digitando na máquina de escrever
 Autora: Alba Valéria Tinoco Alves Silva
 Ano: 2015
 Editora: EDUFBA
 Páginas: 200
 Sinopse: Com o intuito de problematizar o lugar da mulher na produção humorística, a autora tece considerações a respeito da relação mulher/humor, sob diversas óticas do pensamento, como a psicanálise, a antropologia, a filosofia e a linguística. O livro surge com a premissa de descontruir a lógica de que a via cômica é uma forma de expressão exclusivamente masculina.


A capacidade do ser humano de fazer piadas e rir de situações — às vezes até mesmo negativas — sempre me deixou fascinada. Quando eu era criança, minha família costumava se reunir em datas comemorativas e fazer um churrasco, principalmente pra rir das coisas. Não era as danças, nem a carne, nem a comida, nem a data que fazia sucesso nos nossos churrascos: eram a sala onde todo mundo se sentava pra conversar e dar risada. Às vezes minha mente de criança nem conseguia entender o motivo da risada, mas ria mesmo assim, influenciada pelo grupo. Na adolescência, passei boa parte do meu tempo em frente a TV assistindo programas de humor: programas como Pânico na TV (que hoje eu detesto)Quinta Categoria, 15 Minutos, Todo Mundo Odeia o Chris... 

Enfim, achava aquilo fantástico e queria fazer parte, mas não demorei a perceber que na maioria desses programas, as mulheres não faziam as piadas. Em alguns, eram até mesmo o alvo. As poucas mulheres que faziam o papel de comediantes adotavam uma postura um pouco mais séria que a dos homens. Isso me gerou uma inquietação, mas a vida acabou me fazendo esquecer esse tema. Foi essa inquietação que me levou a ler Deus e o Diabo no humor das mulheres, logo que o vi disponível na Amazon.

Deus e o diabo no humor das mulheres é uma tese de doutorado que se transformou em livro. Nele, a autora busca problematizar a relação das mulheres com o humor. O que explica a ausência significativa de mulheres fazendo humor? Essa ausência é uma ausência real ou se trata de uma questão invisibilizada? Existem mulheres fazendo humor no Brasil? Se existe, o que diz a crítica sobre esse tipo de humor? Seriam as mulheres incapazes de fazer humor? São questões que a autora busca discutir ao longo do texto, enquanto realiza um pequeno apanhado do que já foi falado ou discutido sobre mulheres e humor no país.

Deus e o diabo foi uma leitura muito interessante para mim, ler sobre mulheres, história das mulheres e a relação de mulheres com diversas áreas do conhecimento sempre me deixa em um misto de encantamento e revolta. Encantamento por saber que, apesar das circunstâncias, do machismo e misoginia da sociedade, conseguimos resistir e encontrar nossas próprias formas de fazer as coisas. Revolta por termos que lidar com isso. Com essa leitura não foi diferente. Respondendo a alguns dos questionamentos que fiz acima, e também a minha inquietação que surgiu dando início a essa resenha: sim, as mulheres fazem humor, e fazem muito, o que acontece é que, assim como diversos outros temas, como as artes e a literatura, o trabalho feito por mulheres segue sendo ocultado, diminuído e desvalorizado.

Ao longo de sua tese, Alba nos mostra que, quando falamos em mulheres e humor, existe uma teoria — inclusive corroborada por autores da psicologia como Freud e afins — que as mulheres são incapazes de fazer humor, que não conseguimos compreender humor e que as mulheres que o fazem possuem algum tipo de desvio. Essa teoria foi usada para anular o trabalho humorístico feito por mulheres, e para justificar a falta de oportunidade e de visibilidade de mulheres nesse meio. Embora pareça algo arcaico e distante de nossa realidade, esse tipo de pensamento ainda é comum no meio, o que é corroborado por textos recentes trazidos pela autora, de menos de dez anos atrás. Algumas mulheres chegam, inclusive, a não associar textos humorísticos com seu nome, por medo de prejudicar sua carreira. Ser mulher e fazer humor é mal visto.

No final do livro, a autora traz uma pequena coletânea de textos e autoras que escrevem e escreveram contos e crônicas de humor no Brasil, além de várias outras mulheres que trabalham com isso, na TV ou em outros meios de comunicação. Alguns textos foram resumidos por ela por questões de espaço, fato que ela cita ao longo da tese como um empecilho inclusive pra própria pesquisa, mas nada impede que sejam procurados pelo leitor depois, visto que ela deixa até mesmo o link do site onde eles se encontram. Pretendo, em um outro post, trazer esse compilado que ela fez, pra quem se interessar. 

Em suma, Deus e o Diabo no humor das mulheres é uma tese de doutorado em formato de livro, e por isso mesmo, a linguagem é acadêmica e bastante rebuscada. Alguns leitores não acostumados podem ficar assustados com isso (vi muitas resenhas criticando a escrita), mas, se você não tem necessidade de se aprofundar no assunto e esse não é seu tema de estudo, acredito que ler um resumo das ideias contidas no livro já basta (aqui tem um excelente resumo feito pelo professor Gutemberg).

Como pesquisadora, senti falta de um pequeno recorte no perfil das mulheres que ela selecionou para compor o texto da pesquisa. Não há nenhum dado sobre a cor dessas mulheres, a classe a que pertencem, o nível de escolaridade que alcançaram ou até mesmo sobre a trajetória delas enquanto mulheres fazendo humor. Pra mim, não basta saber que existam mulheres alcançando certos espaços, é preciso que esses espaços sejam alcançados por todas. Não dá pra saber se foi um tropeço da pesquisadora ou da pesquisa (nem sempre a gente consegue fazer tudo o que propõe na pesquisa), mas fica como sugestão caso algum interessado ou interessada queira dar continuidade ao trabalho dela. No mais, é um livro que eu recomendo para quem tem curiosidade sobre o assunto, e não se importa ou está acostumado com os jargões cientifico das ciências humanas.

Link do livro para compra na Amazon.

Obs: a versão Kindle é disponibilizada de graça, basta ter conta na Amazon para efetuar o resgate do produto.

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1 comentários

  1. Eu mesma demorei anos pra entender que humor feminino existe. Eu fui criada em um ambiente no qual os homens ficavam na sala falando besteira e as mulheres na cozinha, cozinhando e falando de suas famílias. Felizmente, a nossa geração já não é assim, ou pelo menos a minha bolha de amigos, mas eu mesma às vezes tenho medo de fazer certas piadas por simplesmente ser mulher. Não é fácil, né?

    Eu me divirto tanto com as minhas amigas, a gente fala tanta besteira juntas, e a gente também fala de coisa séria, mas certamente temos o nosso humor também. É um quadro tão diferente do que eu via com a minha mãe e suas amigas, e lembro que quando mais nova minha própria mãe demonstrava um certo desprezo quando eu e minhas amigas estávamos falando besteira. Eu sei que é algo muito mais da geração dela do que algo pessoal, mas foi complicado.

    Meu namorado diz que eu sou engraçada; aliás, todos os homens que namorei disseram isso. Até hoje me sinto uma farsa. Como pode eu, uma mulher, ser engraçada?

    Enfim, você falando de um livro e eu aqui falando de mim LASDJLKASMD Perdão. Gostei bastante, mas admito que provavelmente não irei ler porque acho que quando terminar a faculdade eu vou ficar uns bons meses sem tocar NADA que seja acadêmico, viu? LÇKMDALKMDS

    Beijinhos!
    wuye

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