Releitura: Estilhaça-me - Tahereh Mafi

sexta-feira, abril 29, 2022

 TítuloEstilhaça-me
 Autora: Tahereh Mafi
 Ano: 2018
 Editora: Universo dos Livros
 Páginas: 352
 Sinopse: Juliette não toca alguém a exatamente 264 dias. A última vez que ela o fez, que foi por acidente, foi presa por assassinato. Ninguém sabe por que o toque de Juliette é fatal. Enquanto ela não fere ninguém, ninguém realmente se importa. O mundo está ocupado demais se desmoronando para se importar com uma menina de 17 anos de idade. Doenças estão acabando com a população, a comida é difícil de encontrar, os pássaros não voam mais, e as nuvens são da cor errada. O Restabelecimento disse que seu caminho era a única maneira de consertar as coisas, então eles jogaram Juliette em uma célula. Agora muitas pessoas estão mortas, os sobreviventes estão sussurrando guerra – e o Restabelecimento mudou sua mente. Talvez Juliette é mais do que uma alma torturada de pelúcia em um corpo venenoso. Talvez ela seja exatamente o que precisamos agora. Juliette tem que fazer uma escolha: ser uma arma. Ou ser um guerreiro.

Li Estilhaça-me pela primeira vez quando eu tinha 17 anos de idade. Na época foi um livro que me agradou muito. Gostava dos personagens, da escrita da autora e do universo construído em torno da protagonista — uma distopia futurística em que o mundo sofre as consequências de nossa negligência ambiental.

Resolvi reler o primeiro livro da série quase 9 anos depois, porque não me recordava mais dos acontecimentos do livro e queria terminar de ler a saga. Li apenas até o segundo volume e a curiosidade de saber como a história de Juliette termina sempre foi um plano de fundo das minhas experiências literárias. Agora com todos os livros lançados (ou praticamente todos, ainda não procurei saber), achei mais fácil retomar a leitura começando novamente do primeiro livro e matar minha curiosidade.

Reler um livro que se gostou muito é sempre uma experiência arriscada, ainda mais depois de tanto tempo. Corre-se o risco de perceber, agora com mais experiência e maturidade, que aquela leitura agradável não é exatamente o que a nossa memória afetiva nos lembrava. Já fiz releituras outras vezes e não me decepcionei. Com Estilhaça-me não foi diferente. Embora o livro não seja as mil maravilhas que eu me lembrava, ainda é uma leitura gostosa, envolvente, que te prende até o final. Nessa segunda leitura, a única coisa que mudou para mim foi minha visão sobre os personagens, que explico logo depois.

Para quem não conhece, Estilhaça-me é uma série de livros que giram em torno de Juliette, a protagonista, que possui a capacidade de causar dor ou até mesmo levar as pessoas a morte somente com o toque de sua pele. Por essa sua capacidade, Juliette está internada em uma instituição psiquiátrica, longe do contato com outras pessoas, há mais ou menos três anos. Tudo muda quando ela recebe um colega de quarto, Adam, que vai ser seu companheiro ali dentro e par romântico no primeiro livro da saga. 

Em relação a escrita de Estilhaça-me, não tenho muito o que acrescentar em relação a minha primeira resenha. A narrativa escrita do ponto de vista em primeira pessoa traz profundida a história, a autora escreve bem e a sensação que se tem é de observar alguém que está mesmo perdendo a sanidade. Juliette interrompe seus pensamentos, repete palavras, começa frases e as deixa pela metade, pensa freneticamente o tempo todo, enfim, está trancafiada há tempo demais sozinha com seus próprios pensamentos e sente os efeitos do confinamento. Gostei particularmente das metáforas que ela utiliza para se expressar, o que dá um toque poético ao livro. Apesar da escrita bem elaborada, os personagens, dessa vez, não me convenceram.

Começando com Adam, par romântico da nossa mocinha no primeiro volume. Ele é um cara bonito e musculoso que está ali para ser par romântico de Juliette. E é isso. Ele é bonito, é musculoso e pode ser muito bem substituído por um pedaço de papelão ou um guarda costas. A personalidade dele basicamente se resume a ser gentil com Juliette e ser apaixonado por ela. Juliette tem um dom (uma maldição?) em que pode matar as pessoas somente com o toque e poucas vezes o vemos mencionar isso, mostrar preocupação em relação ao assunto ou dizer algo a respeito. Ele parece não se importar, não como se ele não vesse isso como um problema, mas como se o dom de Juliette nem existisse. Pra ser sincera, eu me peguei pensando se Adam é um personagem que vê Juliette como uma pessoa, como um ser humano, um indivíduo com sonhos, desejos, medos, enfim... tudo o que significa ser uma pessoa nesse mundo.

A relação de Adam com Juliette começa ainda na escola, quando ela era maltratada por todas as pessoas envolvidas em sua vida. Adam vê nela uma donzela em perigo e decide que vai protegê-la. Faz disso praticamente o sentido de sua vida, e é isso que move suas ações ao longo de todo o primeiro livro. Ele não parece pensar que ela pode se defender por si própria (lembrando que a garota literalmente mata pessoas com as mãos), e nem acho que acredite realmente nisso. Ela é uma donzela em perigo e ele é o machão homem que vai protegê-la. Pra mim, o personagem mais sem sal da história.

Por outro lado, fazendo um contraponto a Adam, temos Warner. Ele foi escrito para ser o vilão, talvez para ser detestado ou odiado pelos leitores (não sei dizer, visto que gostei dele), mas é o único personagem com camadas até então. Ele é líder de um exército, é cruel e insensível e quer usar Juliette como arma. Ao mesmo tempo, se sente desprezado pelo pai, quer provar o seu valor e é apaixonado por Juliette. Quer tê-la ao seu lado a todo custo e em alguns momentos suas atitudes passam a impressão de um menino carente, desesperado por um pouco de amor e afeto. Necessário lembrar que todos os personagens tem entre 17 a 19 anos. Juliette tem 17 e Warner tem 19. Sim, ele é novo demais para líder de um exército, mas assim como no mundo real, Estilhaça-me funciona com base na meritocracia: o pai dele é alguém importante e arrumou esse cargo pra ele *risos*.

Warner é o primeiro a ver potencial em Juliette. Pelos motivos errados, naturalmente, mas é o primeiro que não a vê como um monstro, como um demônio ou algo do tipo. É o primeiro a chamar o que ela tem de "dom". É o primeiro a querer ser tocado por ela mesmo sabendo das consequências disso. Ele não nega seu poder nem finge que ele não existe, ao contrário, ele acha incrível. É o primeiro a oferecer amizade, conforto, proteção, tudo que Juliette não tinha antes de sair do sanatório. Ele é uma pessoa horrível mas ao mesmo tempo ele tem camadas. E é o único com um senso moral que parece fazer sentido dentro do contexto em que vivem, ainda que seja um senso moral deturpado, endurecido pelas circunstâncias.

Pra finalizar os três personagens principais, temos Juliette. Ela é a típica protagonista de livro adolescente não-sabia-que-eu-era-bonita. Ao menos aqui temos a desculpa que ela de fato nunca se olhou no espelho. Juliette tem o dom de causar dor a qualquer pessoa somente com seu toque, as pessoas a maltratam, machucam, agridem durante toda sua vida, jogam pedras nela, a desprezam, humilham, excluem, trancam ela num sanatório longe de contato humano por três anos, mas ela nunca revida. Ao contrário, ela é gentil com as pessoas que a maltrataram, o que me fez detestar Juliette durante toda essa releitura. As pessoas são ruins e maldosas, mas não Juliette, ela não, ela é "melhor".

Juliette quer ser "melhor" que as pessoas que a maltrataram, quer dar a outra face, e em nenhum momento ela duvida, titubeia, vacila nessa convicção. Em nenhum momento ela se pergunta se não deveria mesmo usar o seu poder pra se defender, pra se livrar dessa perseguição injusta ou mesmo como vingança. Seus princípios são cristalinos e em nenhum momento, mesmo depois de todo sofrimento que ela passou, ela dá o menor indício de que vai se corromper, que sua moralidade está oscilando ou que vai mudar de ideia. Ela nem mesmo considera a possibilidade de tocar as pessoas de propósito, nem mesmo Warner, que ela odeia e vê como uma pessoa horrível. Tudo isso torna Juliette uma personagem chata.

Eu tenho uma preguiça enorme de narrativas que colocam como virtude, passividade, submissão e inércia. Que fazem parecer que é errado revidar ou se defender, que fazem parecer bonito apanhar calado e ainda ser gentil com as pessoas que te agrediram. Juliette não precisava matar ninguém, mas ela tinha todo o direito de "dar um toque" em qualquer pessoa que a tenha maltratado. Teria resolvido grande parte dos seus problemas, e ela poderia ter tido uma vida mais ou menos normal, sem ter sido tão maltratada, sem ter sido tão agredida (ou alguém se arriscaria a chegar perto depois de ver ela revidando uma única vez?).

É por isso que eu gostei de Warner. O senso moral de Juliette não parece fazer mais sentido naquele mundo. Eles estão em uma distopia semi-apocalíptica em que um governo autoritário assumiu o comando criando um cenário de extrema repressão, e ela acha errado se defender? Resistir? Tem pena dos soldados. Ela é a típica heroína de livro adolescente, ingênua, fraca, desajeitada, boazinha, que não se corrompe independente das circunstâncias. Enfim, não é o tipo de personagem que tem apelo para mim atualmente, e foi difícil simpatizar com ela.

(Minha sensação lendo a Juliette o livro todo):


Outro ponto que me incomodou em Estilhaça-me foi a quase ausência de outras personagens femininas na história. Isso é justificado na narrativa, visto que a maior parte da trama do primeiro livro se passa em um quartel general, mas quando outras personagens femininas apareciam, sejam através de menções ou personagens reais, o tom era muitas vezes negativo. As mulheres/meninas que são mencionadas são quase sempre mesquinhas, mimadas, fúteis, arrogantes e más, principalmente com Juliette. Senti um subtexto misógino, o que foi reforçado em alguns momentos quando Juliette adotava um tom de "eu não sou como as outras garotas", ao reclamar de vestidos apertados, roupas curtas, não ser vaidosa, enfim... aquela típica protagonista construída pra gerar identificação com meninas adolescentes leitoras (eu mesma fui uma delas viu gente? não é esse o problema aqui) e jogar um shame nas outras. O livro foi lançado em 2012, e esse tipo de subtexto era muito comum, então não me surpreende, vou observar melhor nos próximos livros da saga, que acredito que terá mais mulheres, e ver se isso se repete.

Pra finalizar, acho importante lembrar que eu não sou mais o público alvo dessas histórias, então é natural que certas coisas me incomodem ou não façam mais sentido para mim. Pretendo continuar lendo a saga assim mesmo, e fico feliz com essa (re)leitura. A experiência não foi tão intensa como na última vez, mas foi uma boa experiência. Valeu a pena retomar esse livro antes de ler os próximos livros da saga.

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3 comentários

  1. O típico livro que eu sei que passaria raiva, mas mesmo assim fico muitoooo tentada a ler hahaha (sou dessas)

    Quando eu tinha uns 14-15 anos li os três primeiros livros de Hush Hush de uma vez só... só demorando um pouco mais pra ler o último, pois ele ainda não estava disponível na livraria. Fui inventar de reler eles esse ano (agora com 26) e a sensação que dá é que o roteiro está todo furado. Essa sensação de identificação também aparece nessa sequencia de livros, então na época, como eu me identificava com o estilo/personalidade da protagonista (que também não sabia que era bonita) eu sonhava que aparecesse um carinha legal de Jeep Commander pra chamar de meu na minha vida também. 100% iludida.

    Super te entendo na sensação. Vou colocar sua indicação na minha readlist...

    Abraço

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  2. Oi Marina,
    Eu tenho esse livro na minha biblioteca virtual do Kindle, mas ainda não me cocei pra ler. Eu não sei porquê, mas achava que esse título era de gênero erótico, haha. Talvez por isso eu ainda não o tenha pego pra ler.
    Também acho arriscado reler um livro, por isso que eu sempre evito fazer isso, mas ao mesmo tempo, creio que a releitura nos mostra uma evolução pessoal.
    Uma pena que Adam faça um papel tão insignificante e torne a protagonista indefesa. Já Warner me parece não um vilão, mas um anti-herói, nem li o livro e já gostei dele, haha. Mas olha... confesso que a protagonista também não me conquistaria, detesto gente gentil e "good vibes" demais... Eu sou a Rita Lee todinha nesse quesito, hahahahaha. Super concordo com você, ser humilde e "gente boa" não significa ser trouxa.
    Enfim, gostei da sua resenha, achei bastante verdadeira com relação aos personagens. Fico no aguardo da resenha dos próximos livros da saga.
    Beijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥

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  3. Gostei imenso da review, deu vontade de ler.
    Beijinhos
    Coisas de Feltro

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