Da rotina (DDQ? #3)

sábado, julho 04, 2020

Diário de Quarentena #3

Estou há mais de cem dias em isolamento. Às vezes penso que, se não estivesse com meus pais, já teria jogado tudo pro alto, saído para pegar o vírus, deixar nas mãos do destino se vou viver ou morrer. Mas não posso colocar a vida dos meus pais (grupos de risco por dois fatores, cada um) em risco, apenas por um capricho. Temos sorte de podermos nos resguardar, considerando que o Estado nos abandonou, e não vou jogar isso fora. Não sem um bom motivo. Mas não se engane, não fico 100% do tempo em casa. Saio uma vez por mês para ir ao banco. Meu pai passa o dinheiro dele pra minha conta, e usamos para pagar boletos sem precisar sair de casa. Por sorte, minha conta do banco é digital. Não fosse isso, teríamos um grande problema, as lotéricas da cidade vivem cheias. Então eu pago as contas, todas da casa, e me assusto com a quantidade de dinheiro que precisamos pra isso todo mês. Me pergunto se um dia vou ter renda suficiente pra viver por conta própria. Deixo para pensar nisso depois, por ora, só agradeço a sorte de não precisar sofrer com isso nesse momento.

Tenho sentido falta de outras pessoas. Não outras pessoas atrás das telas, mas de ouvir outras pessoas, tocar outras pessoas, sentar em um bar com outras pessoas. Eu não bebo, mas sinto falta da mesa de bar. Sinto falta das conversas sinceras e das risadas, das análises políticas que vem do nada, de jogar conversa fora e de sonhar com um futuro melhor pra todes. Parece tão distante agora. Nunca fui uma pessoa de muito contato humano, mas o pouco de contato que tinha me bastava. Tenho me sentido tão carente, tão solitária. Meus amigos estão todos espalhados por Minas Gerais, não consigo nem mesmo um contato casual, uma visita pelo outro lado da rua, ou se esbarrar (com 1,5m de distância) com eles no mercado.

Minha rotina tem sido a mesma todos os dias. Acordo, espero, almoço, jogo no celular, tiro as calopsitas da gaiola, fico com as calopsitas, coloco as calopsitas pra dormir, tomo café, jogo no celular, faço crochê, às vezes ligo o computador, às vezes jogo mais no celular, entro no Twitter, fico no Twitter até a hora de dormir. Essa é a versão resumida, a versão extensa acrescenta poucas coisas. Vez ou outra consigo explorar uma nova possibilidade, mas isso tem ficado cada vez mais raro. Ao menos, não preciso ir ao banco, os dias de ir ao banco são os piores.

Meus sonhos estão estranhos. Sei que muita gente anda relatando isso. Tenho sonhado com coisas aleatórias, animes, pessoas, acontecimentos da minha vida que me trazem pânico porque ninguém está de máscara, tweets que li, coisas que pensei, as vezes outros sonhos. É curioso que eu só me lembro desses sonhos ao longo do dia, quando acordo esqueço o que sonhei. Alguma coisa traz a lembrança do sonho de volta.

Tenho muitos medos e muitas preocupações. Mas não vou falar disso agora. É melhor não. Estou indo um dia de cada vez, porque essa é a única forma possível. E esperando soluções melhores, dias melhores, pessoas melhores. Acho que estava enganada quando disse que sinto falta de sonhar com tempos melhores, de tudo o que parece tão distante, essa é a mais próxima agora, sonhar com um amanhã melhor.

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3 comentários

  1. Tem sido bem difícil mesmo. Eu sou uma pessoa introvertida por natureza, verdadeiramente gosto de ficar em casa, mas é complicado fazer isso por tantos meses consecutivos, sem uma perspectiva de quando as coisas poderão voltar ao normal. Mas um dia de cada vez, não tem jeito, né. Força pra nós.

    Bjo!

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  2. Bom dia, Mari!!
    Suas palavras resumem e muito meu sentimento. São dias tão difíceis, tão incertos. Eu agradeço pelos meus pequenos privilégios nesse momento difícil, como estar afastada do trabalho recebendo normalmente. Porém, isso não afeta de maneira muito positiva as minhas preocupações, o meu psicológico, a sensação de o tempo estar parado.
    O que nos resta é tentar pensar positivo, se agarrar em sonhos, manter o pé o chão e ressignificar algumas coisas. Beijos e se cuida!

    Lorena,
    preguicaliteraria.blogspot.com

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  3. Realmente tem sido difícil, aqui em casa as coisas não ficaram boas mas, graças a Deus temos uma família muito unida, e estamos tentando superar tudo isso de cabeça erguida.

    mulhernovaera.com.br

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