[Resenha] Encontros Íntimos - Anna Zaires

domingo, julho 26, 2020

 Título: Encontros Íntimos (As Crônicas dos Krinars #1)
 Autora: Anna Zaires
 Ano: 2015
 Editora: Mozaika Publications
 Páginas: 386
 Sinopse: Um romance sombrio e intrigante que atrairá fãs de relacionamentos eróticos e turbulentos...
 No futuro próximo, os krinars governam a Terra. Uma raça avançada de outra galáxia, eles ainda são um mistério para nós e estamos completamente à mercê deles.
 Tímida e inocente, Mia Stalis é uma universitária na cidade de Nova Iorque que sempre teve uma vida muito comum. Como a maioria das pessoas, ela nunca teve qualquer interação com os invasores. Até que um dia no parque muda tudo. Tendo atraído o olhar de Korum, ela agora deve lidar com um krinar poderoso e perigosamente sedutor que quer possuí-la e nada o impedirá de tê-la para si.
Até onde você iria para recuperar a liberdade? Quando sacrificaria para ajudar seu povo? O que escolheria ao começar a se apaixonar pelo inimigo?

Fiquei um bom tempo na dúvida pensando se escrevia ou não uma resenha desse livro, porque, em primeiro lugar eu queria esquecer completamente que fiz essa leitura, e em segundo lugar, porque o livro mostra um romance muito problemático. Não problemático no nível "eu realmente não acho que alguém gostaria disso", mas problemático no nível "hey! Isso aqui que aconteceu é crime". Vamos lá: Encontros Íntimos conta a história de Mia, uma menina tímida, ingênua e insegura (típico não é mesmo?) que encontra um cara de — literalmente — outro planeta, que é o oposto de Mia: sexy, forte, bonito, rico, e que vê algo em Mia que ela mesma não vê, e a partir de então, começam um relacionamento. Menina tímida encontra criatura sobrenatural sexy é um roteiro que, por mim teria ficado em 2007, mas infelizmente ainda é um tema que atrai muita gente. 

Eu não vou entrar em muitos detalhes sobre o plano de fundo da história, é o suficiente saber que o livro se passa no futuro, em que uma "raça evoluída" de alienígenas (os krinars) dominaram a Terra, assumindo uma posição de "tutelagem" dos humanos, impedindo que os humanos adotem comportamentos destrutivos para si mesmos e para o planeta (como desmatar, comer carne ou usar veículos a base de petróleo). Um desses alienígenas, chamado Korum, é quem vai fazer par romântico com Mia, a mocinha da história. Korum é um dos líderes dos krinars, uma espécie de engenheiro, que criou toda a tecnologia que tornou possível a invasão dos krinars na Terra. O livro já começa com uma premissa problemática, que é a colonização da Terra. A ideia de raças evoluídas e inferiores, a posição de tutelagem (chamada por Korum de "auxílio") em relação a uma comunidade, a crença de que há conhecimentos melhores que outros, e a imposição de modelos de vida para outras comunidades, já aconteceu (e muito!) na nossa História, quase sempre terminando em genocídio. Apesar de tudo, a autora apresenta a invasão (que nem é chamada dessa forma) como algo bom e aceitável, que trouxe "benefícios", mas os humanos não conseguem vê-los pois são imaturos. E o livro é mostrado pela ponto de vista de Mia, uma humana, e não dos krinars, os colonizadores. A premissa já é suficiente problemática, e alguns podem até dizer que esse não é o foco do livro, pois trata-se de um romance, mas o romance também é cheio de problemas. O relacionamento de Mia e Korum é completamente abusivo, e eu vou explicar porquê.

Pra começar, e como é típico dessas histórias, antes de Korum e Mia se conhecerem oficialmente, ou seja, se encontrarem pela primeira vez, ele a está espionando e obtendo informações sobre ela. Eles se conhecem "acidentalmente" em um parque, conversam por alguns minutos, Mia vai até a casa de Korum, não acontece mais nada além de conversas, e ela vai embora. Quando se encontram de novo, Korum já sabe tudo sobre Mia: com quem ela Mora, de onde é, onde a família vive, onde e o que estuda, o que come, quem são seus amigos... ele se justifica dizendo que "todas as informações eram públicas" e ele não fez nada demais, mas eu conheço isso como stalker. Depois de tamanha violação de privacidade, Mia deveria ter fugido, mas o "romance" continua. No próximo encontro (o terceiro deles!) Korum se sente na liberdade de começar a tomar decisões por Mia, como obrigá-la a sair com ele e decidir o que ela veste, rindo e depreciando de todas as suas tentativas de fugir do controle dele. Com o passar das páginas e a medida que os dois convivem, os abusos pioram, sempre justificado com a ideia de que ele a ama, que ela é imatura e não sabe lidar com algumas coisas, que ele sabe o que é melhor pra ela, e o "romance" segue. Se existisse um bingo de relacionamento tóxico e doentio, os dois marcariam toda a cartela.

Em determinado momento do livro, como uma tentativa de explorar mais as questões políticas que fazem pano de fundo da história, somos apresentados à Resistência, um grupo de pessoas que não concordam com a permanência dos krinars na Terra e procuram formas de se livrar deles. Mia, amedrontada e querendo ficar longe de Korum, somada a uma imensa falta de diálogo entre os dois, resolve se juntar à eles (o ponto que a pessoa chega). É então que nós conseguimos ter a dimensão do absurdo: no primeiro encontro deles, Korum colocou um rastreador no corpo de Mia, feito de tecnologia krinar, que é impossível de ser retirado com tecnologia humana, além de avançado o suficiente para espionar Mia em qualquer lugar que ela esteja, conseguindo ver e ouvir tudo o que ela faz, sem que ela saiba que está sendo espionada ou que tem um rastreador embutido em seu corpo. Pois é, como se não bastasse ele controlar sua rotina, alimentação, as roupas que veste, com quem ela sai, quando pode ver os pais, onde pode fazer estágio, em que momentos e em qual local pode estudar, quais decisões deve tomar, ele ainda consegue ouvir e observá-la nos poucos momentos em que Mia não está com ele. Isso tudo, claro, sem o consentimento de Mia, em uma relação de poder completamente desigual em que Mia não tem nenhuma outra alternativa além de chorar e ficar com ele. Um ponto importante: tudo é tratado como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Se você está se perguntando qual a justificativa a autora encontrou pra continuar insistindo que esse cara é o homem dos sonhos de todas as mulheres, eu te conto: sexo. A quantidade de problemas que encontrei nesse pequeno detalhe daria outro livro, mas vou me ater apenas a esses dois: Primeiro, Korum nunca respeita a vontade da Mia, mesmo quando ela diz que não quer, porque segundo ele, ele pode ouvir os batimentos cardíacos dela, sentir seu cheiro e blá, blá, blá, o que, para ele, mesmo dizendo não, ela quer sim. Necessário ressaltar que reações fisiológicas não podem ser controladas, e ainda que ela estivesse com vontade, a partir do momento que diz não, e que não quer fazer, independente de qualquer coisa, é direito dela não transar com o cara. São poucas as cenas de "sexo" que ela consente. A situação fica pior quando somada ao segundo ponto que quero levantar: no livro, humanos que fazem sexo com krinars podem ficar viciados, já que o corpo humano reage ao krinar da mesma forma que reage a uma droga. Existem grupos de humanos que procuram krinars para sexo porque se tornaram dependentes químicos da substância que o corpo deles liberam. Não há como pensar em consentimento nesse caso, a relação entre eles é completamente desigual. 

Depois de todo esse absurdo, já no fim da leitura, comecei a considerar seriamente que talvez o livro fosse um alerta sobre relacionamentos abusivos, uma espécie de panfleto em forma de ficção, em que a história terminaria de forma a passar uma mensagem como "isso não é amor, isso é doentio", mas, ao menos no primeiro livro da trilogia, eu fui ingênua. O livro acaba e eles estão juntos, ela não consegue terminar com ele, a Resistência falha, pessoas morrem, e fica por isso mesmo, como se ele fosse o cara mais legal do mundo. Ainda não consigo acreditar que alguém escreveu esse livro, acrescentou todos esses elementos na relação entre os dois e não viu nenhum problema no que escreveu. Esse livro me fez pensar muito no que nós produzimos como literatura e no que nós chamamos de romance. Eu não sei se os outros livros da trilogia continuam dessa forma ou se o tom muda, porque eu não tive coragem de ler o resto. Esse é o segundo livro que li esse ano que romantiza relacionamento abusivo e foi realmente difícil ler tudo até o final. Já passou da hora de pararmos de vender comportamentos abusivos como "amor" e repetirmos isso uma para as outras. Isso, obviamente, também passa pela literatura. Chega né

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2 comentários

  1. Menina, essa coisa de romantizar boy lixo é tão, tão, tão problemático que dói!
    Acho que, se os escritores não chamam a responsabilidade pra si, as editoras deveriam fazer isso e não publicar esse tipo de história.

    Como leitora, parei de aceitar esse tipo de coisa!

    Um beijo,
    Fernanda Rodrigues | contato@algumasobservacoes.com
    Algumas Observações
    Projeto Escrita Criativa

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  2. Ai gente, jura que ainda não passamos da fase de romantizar homem lixo? O pior é que o cenário no geral - um futuro com raças super avançadas exploração espacial etc me parece tão legal, tinha que estragar tudo com esse pseudo erotismo!

    Mas que bom que trouxe esse texto Marina é importante resenhar também sobre aquilo que não gostamos!
    Um abraço!

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