Estou interrompendo a lavação do meu banheiro para escrever esse post. Achei que a reflexão seria pertinente demais para ser deixada para depois, e muito provavelmente esquecida. Então resolvi escrever, e resolvi escrever sobre BBB, mais especificamente sobre a dinâmica de alguns participantes no jogo.

Nunca fui de assistir BBB, não assisti nenhuma edição até agora e nem mesmo conheço algumas regras do jogo. Mas, esse ano a discussão está tão interessante, que depois de acompanhar muitas polêmicas pelo Twitter, resolvi me atualizar e descobrir o que está acontecendo na casa. Não é que eu descobri que a coisa está boa mesmo? Tirando toda a discussão sobre opressões estruturais que está acontecendo por causa da fala de alguns participantes (e por enquanto não vou falar sobre isso), me chamou atenção a dinâmica de jogo de alguns personagens, as estratégias de jogo, e , principalmente, a reação do público. Hoje, venho refletindo sobre Daniel, um participante que entrou no jogo com informações privilegiadas, e foi de queridinho do público para um personagem detestável em poucas semanas.

Para quem, assim como eu, não entendia nada do funcionamento da casa, uma breve explicação: Daniel foi um dos participantes da Casa de Vidro, uma casa de confinamento que fica dentro de um shopping, em local de público. Em resumo, os participantes ficam nessa casa, quase como um mini-BBB, para serem selecionados para entrar na casa do jogo, aquela que passa na televisão. Como possuem contato com o público e entram no jogo depois que ele inicia, os participantes conseguem informações privilegiadas sobre o que está acontecendo na casa, e qual a reação do público diante disso. 

Daniel, um dos personagens que entrou posteriormente no jogo, já sabia quem era os favoritos da galera e quem tinha mais chances de ganhar o jogo. Aí que está o pulo do gato: naquela época. Recentemente, Prior, outro participante da casa, entrou em uma discussão com Daniel, tentando entender os motivos que levaram Daniel a não falar com Prior, desde que Daniel entrou no jogo. Daniel não soube explicar claramente, relembrou falas problemáticas do outro participante que aconteceram no início do programa (antes de Daniel entrar na casa), e os dois entraram em uma discussão por causa disso. Isso levantou suspeitas por parte do público, de que Daniel estaria baseando seu jogo nas informações que obteve durante a participação da casa de vidro, o que também o levou a iniciar um namoro com Marcela, naquela época, a queridinha do público. O que Daniel não sabe (e essa é a minha parte favorita de acompanhar o programa) é que, desde que ele saiu da Casa de Vidro no shopping, a opinião do público virou completamente. Marcela passou de favorita a vilã em alguns dias, Prior, o participante que ele não quis interagir, deixou de ser vilão pra construir uma fã base enorme, e ele próprio, que entrou sendo exaltado por contar as mulheres da manipulação que estava acontecendo com elas, passou a ser detestado pelo público, que só espera que ele vá para o paredão para ser eliminado.

E por que eu tive que parar de lavar meu banheiro pra vir falar sobre esse cara? Lembra sobre o que eu falei sobre Daniel ter informações privilegiadas naquela época? Pois é. Em Gestalt-Terapia, a gente costuma trabalhar muito com o aqui-e-agora. Você provavelmente já ouviu falar sobre isso. Atenção Plena (o mindfulness) é uma técnica que busca trabalhar isso. Estar presente no momento presente, com abertura para vivenciar o que o momento traz, sem julgamentos e sem resistência, sem se apegar ao passado, e principalmente, aberto a viver as mudanças. Esse é um dos trabalhos com a Gestalt, assim como é um dos objetivos da meditação. Daniel, o participante do BBB, entrou com informações extremamente privilegiadas do jogo. Mas se esqueceu que as informações que ele possuía dizem respeito àquela época, nos dias que ele estava na Casa de Vidro, e que ele está, como costumamos dizer, aqui e agora. E, no aqui e agora, as informações da Casa de Vidro são irrelevantes, a casa que ele estava observando de fora já não existe mais, e talvez (só talvez), se ele estivesse atento a isso, teria percebido as nuances do jogo e agido com mais cuidado, para não cair no desgosto do público. Acreditando piamente que estaria seguro com sua namorada, não percebeu que seu descuido, desatenção e falta de consideração com o coletivo tiveram uma repercussão negativa, tornando-o um dos personagens mais detestados pelo público (Daniel deixou de cumprir várias vezes as regras do jogo, perdendo estalecas, que são o dinheiro deles, e deixando de contribuir com a casa até mesmo na hora de comprar comida).

Prior, ao contrário, conseguiu fazer uma leitura interessante do jogo. Percebendo que seus amigos estavam sendo eliminados um a um, em um paredão atrás do outro, resolveu mudar sua estratégia, se aliou a outro personagem que foi excluído pelo resto da casa (e com uma torcida forte) e mudou o discurso. De vilão, à vítima. De manipulador, à excluído. Ele percebeu suas circunstâncias ali dentro, teve abertura para o que estava acontecendo e abraçou isso. Se a casa o excluiu, jogaria sozinho. Se só uma pessoa estava disponível, se aliaria a ela. E assim foi. Ele sabe que não vai sair tão cedo, e deixa isso muito claro. Joga por instinto, sem fazer grandes elaborações, e que forma melhor de viver o momento presente que essa? Nosso corpo percebe as coisas muito mais rápidas que nossa mente racional. Às vezes, quando percebemos racionalmente, a situação já mudou. É como tocar em uma panela quente: quando você entende que está quente, sua mão já está longe da panela.

Sem entrar no mérito de julgar o caráter e personalidade de cada um, quantas vezes a gente não age como Daniel, se apegando ao passado, usando informações ultrapassadas que obtemos, simplesmente porque não conseguimos perceber que a situação mudou. E aquilo que serviu ontem, já não serve mais. E como é difícil perceber essas situações, se desprender do passado e se movimentar com o fluxo da vida? Não é fácil, por isso a necessidade de se estar atendo, consciente, e aberto a fazer uma limpeza e jogar fora o que não serve mais, mesmo que tenha sido importante em outro momento. É como Buda tentou ensinar: "o segredo da saúde, mental e corporal, está em viver sabia e seriamente os problemas". Agora, licença que preciso ir lavar meu banheiro.