Um diálogo real mas fictício

quinta-feira, setembro 29, 2016

— Sabe, eu me sinto muito sozinho.
— Sozinho?
— Sim, sozinho. Não "sozinho" como se eu sentisse falta de ter alguém pra conversar e desabafar, mas "sozinho" de uma forma diferente.
— Você pode me explicar melhor?
Suspiro.
— É difícil explicar... É como se... eu tenho essa sensação de que estou sozinho, mas não sinto falta das outras pessoas, é como se eu estivesse em uma bolha, ou fosse uma ilha. As outras pessoas estão por aí, sonhando e vivendo, e eu me sinto a margem de tudo isso. Tento me aproximar delas e elas tentam se aproximar de mim, mas ainda assim, não consigo integrá-las ao meu mundo. Eu sinto que estou vivendo separado de tudo isso, como um caso a parte, e tenho alguns momentos de interação com outras pessoas. Eu tento construir uma ponte entre mim e os outros, mas parece que nada funciona. Eu continuo sendo uma ilha, isolada, vivendo a minha vida, enquanto as outras pessoas estão integradas vivendo a vida delas, e meus planos e sonhos, meus medos e frustrações continuam se mantendo em segredo comigo, e o mesmo acontece com elas. Eu sou uma ilha vivendo numa multidão de pessoas, e isso é muito difícil.
— ...
— Tudo acontece rápido demais. Não consigo entender onde estou ou porque estou aqui, não vejo sentido em nada disso. Me sinto como uma criança que foi forçada a participar de uma brincadeira que ela não conhece as regras, e não pode mais parar de brincar. Sou alguém que não jogava e foi acrescentado ao jogo, mas que não devia estar no campo... E então, tudo acontece muito rápido, mais rápido do que eu me dou conta de acompanhar. O mundo parece estar me invadindo. Tantas informações, tantas pessoas, tantas coisas para fazer... Tem dias que eu só quero chegar em casa e ficar dentro do meu quarto, sem ver a luz do sol pelo resto do dia. Mas então, eu preciso sair, ver meus pais, meus amigos, estudar, trabalhar, comprar leite que falta na geladeira, assumir responsabilidades... Pra que? Por que? Quem determinou?
— As coisas sempre foram assim...
— Por que todo mundo tem que fazer parte? Eu só preciso ter um momento sozinho, pra recarregar minhas energias, mas eu não consigo. Não consigo recarregar minhas energias. O mundo... o mundo me deixa exausto. Eu estou exausto.
— Certo. Mas você não vê nada de bom nisso tudo?
— Eu não posso dizer que não vejo... Tem tanta coisa bonita lá fora. As árvores e as flores, prédios construções antigas... Eu gosto de tudo isso. Gosto das pessoas também, de suas diferenças, de seus sonhos, e de falar com elas. Mas isso não quer dizer que eu não me canso, que isso não me deixa exausto e que a coisa mais simples me parece exigir um esforço enorme. Eu só queria ser como as outras pessoas, conseguir levantar e funcionar sem ter de carregar um mundo nas costas. Mas não sou assim, e tem dias... tem dias que tudo parece tão difícil...
— Eu entendo.
— ...
— Vai ficar tudo bem.
— Eu sei.
— Você não precisa enfrentar isso sozinho. 
Risadas.
— Ninguém nunca vai entender como eu me sinto.
— Vai sim, acredite.
— Como você pode dizer isso?
— Há outros como você.
— ...
— E eles também se sentem sozinhos. Muita gente se sente sozinha.
— Mas é diferente.
— Eu sei. Mas ainda assim vai ficar tudo bem.
— Eu espero que sim. 

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10 comentários

  1. Eu sei bem hahahahahahh e sei mesmo
    eu tenho tantas pessoas do meu lado, não sinto falta de ngm.. mas sinto que estou sozinha .. não sei quem culpar.. só sei que não consigo sair dessa tbm =/

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  2. As vezes me sinto um observador, um cientista que observa seres microscópicos sem entender por que eles fazem ou por que fazem.... E ainda não tenho certeza se vivemos na Matrix ou não, isso é muito estranho. A sensação de andar na rua e observar as coisas, como se estivesse controlando um avatar, à distância de tudo.

    Me identifiquei com o texto e adorei ele.

    Abraços!

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    1. Essa coisa da Matrix rende muuuuuita reflexão. Eu costumo brincar com um amigo meu de jogar o jogo "e se o mundo fosse Matrix?" e ficar pensando em evidências que apontam ou não para isso. Pode te deixar completamente paranoico. Recomendo! hahaha

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  3. Oi, Marina. Tudo bem?
    Não sei estou certo, mas ao ler o texto acho que vi um sentido para o título. Assim penso: você escreveu um diálogo fictício, porém que faz parte da realidade de muitas pessoas. É o que imaginei ao ler. Tive essa interpretação, pois em muitos momentos me sinto sozinho também. Hoje essa sensação vem fazer parte de mim com menos frequência. Entretanto já tive momentos com períodos bem longos de sentimento de estar sozinho. E é justamente como você escreveu nesse diálogo.A última crise que eu tive, eu fiquei trancado em meu quarto mais de vinte quatro hora e foi um dia bem complicado. Não sei dizer qual a origem disso, mas é real e inexplicável. Amei ler essa publicação. Não lembro de um dia já ter lido um texto que tivesse tanta relação comigo. Obrigado por compartilhar ele conosco. Adorei.
    Abraço!


    meuniversolb.wixsite.com/meuniverso

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    1. Foi isso, o diálogo é real porque faz parte da realidade de muita gente, mas é fictício porque nunca aconteceu, ninguém nunca teve essa conversa. Costumo ter essas crises também, e é tão difícil pra gente que está vivendo isso quanto pra quem convive com a gente. Escrever isso foi uma tentativa de fazer os outros entender.

      Fico feliz que tenha se identificado, vou tentar publicar mais textos como esse :)

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  4. É exatamente como me sinto na maioria das vezes. Tenho alguns amigos e ao mesmo tempo não tenho. Eu adoro conversar e ao mesmo tempo odeio. Vou todos os dias para escola, vejo pessoas e converso com elas, mas ao mesmo tempo não vejo ninguém. Essas pessoas não preenchem o vazio que sinto, a solidão. Eu posso estar conversando, mas ainda me sinto sozinha.

    www.criatividadesem.com.br

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    1. Sei como é, é bom saber que eu não sou a única pessoa a passar por isso. Talvez todo mundo se sinta assim de alguma forma, mas a maioria prefere não falar a respeito. Acho que faz parte da nossa condição, mesmo rodeados de pessoas, sozinhos com nossos pensamentos. Enfim...

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  5. Acho que não tem como não se identificar com o seu texto. As vezes eu me sinto assim também. Me lembrou Heart shaped box, do Nirvana. Depois dá uma olhada na letra (eu interpreto ela como alguém que está "reclamando" com Deus, por não ter pedido para nascer).Embora o seu personagem talvez fique um pouco culpado de reclamar.
    Mas sabe, talvez por que eu acredite em Deus, mesmo que as vezes tudo pareca vazio e sem sentido, percebi que sou mais forte e me sinto menos só. Claro que pode ser só uma ilusão hsuahsua mas isso tem me ajudado muito ultimamente a lidar com essa "ilha". AS vezes me sinto distante de todo mundo também, mas aquela sensação de "não estou só" fica comigo.
    E, Nossa, você tem umas ótimas sacadas para fazer frases (aquelas frases que ficam tipo "wow isso dá uma legenda de Tumblr" haha (tipo "Me sinto como uma criança que foi forçada a participar de uma brincadeira que ela não conhece as regras, e não pode mais parar de brincar" e "O mundo parece estar me invadindo" foram as minhas favoritas)). Bjooos
    amornuvem.blogspot.com

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    1. Eu amo Nirvana! Mas essa música não conhecia ainda (vou ouvir, pode deixar). Acho que a culpa faz parte, eu mesma nem tinha notado a culpa no personagem, antes de você falar.

      Ter fé ajuda sim. Se é uma ilusão ou não, não importa muito. No fim das contas não tem como a gente saber, e na dúvida, é melhor ter fé no que vai te fazer bem.

      Obrigada pelo elogio! Eu gosto dessas metáforas, é o único jeito de passar o que estou pensando.

      Beijos!

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